Exegese de Mateus 16.16-19: "Tu És Pedro, e sobre esta Pedra..."
A expressão sobre esta pedra relaciona-se com a resposta de Pedro, Tu
és o Cristo, o Filho de Deus vivo. É sobre Cristo que a Igreja foi edificada, e
não sobre Pedro. Jesus afirmou que Ele mesmo era a Pedra (Mt 21.42). Essa
afirmação é uma interpretação veraz do Salmo 118.22-24. O próprio Pedro
identifica Jesus como a Pedra (At 4.11-12; 1 Pe 2.4-6).
Se Pedro foi papa durante 25 anos, então existe algo errado, já que
esse apóstolo foi martirizado no reinado de Nero, por volta de 67 ou 68 a.D.
Subtraindo desta data 25 anos, retrocederemos ao ano 42 ou 43 a.D. Nessa época
não havia ocorrido ainda o Concilio de Jerusalém (At 15), que se deu mais ou
menos no ano 48 a.D., ou um pouco depois. Pedro participou do Concilio, mas foi
Tiago quem o realizou e presidiu (At 15.13-19). Em 58 a.D., Paulo escreveu a
epístola aos Romanos. E no capítulo 16 mandou saudação para muita gente em
Roma, mas Pedro sequer é mencionado.
Por outro lado, Paulo chegou a Roma no ano 62 a.D. e foi visitado por
muitos irmãos (At 28.30-31). Todavia, nesse período, não há nenhuma menção a
Pedro ou a algum papa. O apóstolo Paulo escreveu quatro cartas de Roma:
Efésios, Colossenses e Filemom (62 a.D.) e Filipenses (entre 67 e 68). Pedro
não é mencionado em nenhuma delas. Novamente, não se tem notícia desse suposto
papa.
Assim, não existe fundamento bíblico nem subsídio histórico para
consubstanciar a figura do papa. Ainda sobre o poder concedido a Pedro, estaria
Jesus outorgando autoridade para que outras pessoas a exercessem de forma
singular como outra cabeça da Igreja? Devemos considerar o texto em estudo e
seu contexto em relação a:
1. Enquanto Pedro é mencionado na segunda pessoa (tu), a expressão esta
pedra está na terceira pessoa.
2. Pedro (petros) é um substantivo masculino, enquanto pedra (petra) é
um feminino singular. Conseqüentemente, essas palavras não têm a mesma
referência. Ainda que Jesus tivesse falado em aramaico, o original grego
inspirado traz as distinções.
3. A mesma autoridade concedida a Pedro por Jesus estende-se também a
todos os apóstolos em Mateus 18.18.
4. Pedro não era representante dos demais apóstolos. Em Mateus 16.23
encontramos Pedro sendo repreendido por Cristo à parte dos apóstolos. Os demais
apóstolos, por sua vez, também foram exortados por Jesus na mesma ocasião. Se
Pedro tivesse de fato primazia sobre seus companheiros de ministério, Jesus não
o teria repreendido longe deles (w. 22-23).
5. O impressionante é que até mesmo certas autoridades católicas estão
de acordo que a referência estudada não diz respeito a Pedro, o destaque aqui
para João Crisóstomo e Agostinho. Escreveram:
"Nesta pedra, então, disse Ele, a qual tu confessaste. Eu
construirei minha Igreja. Esta Pedra é Cristo; e nesta fundação o próprio Pedro
construiu ("Agostinho - Comentário sobre o Evangelho de João")."
Se considerarmos o fato de que Pedro é uma pedra não-angular, assim
como alguns não-católicos acreditam, chegamos à conclusão de que ele não era a
única pedra na fundação da Igreja. É notável que Jesus deu a todos os apóstolos
o mesmo poder para ligar e desligar (Mt 18.18).
Essa autoridade era comum aos rabinos, que tinham o privilégio para dar
permissão e proibir. Não se tratava de uma porção de poder concedido somente a
Pedro, mas também à Igreja, pela qual proclamamos o Evangelho, o perdão de Deus
e seu julgamento aos impenitentes.
Em Efésios 2.20 encontramos que a Igreja fora constituída sob a
fundação dos apóstolos e dos profetas, sendo o próprio Cristo Jesus a pedra
angular. Assim, todos os apóstolos, e não somente Pedro, são a fundação da
Igreja. Contudo, o único que tem preeminência sem igual é Cristo, a pedra
angular. O próprio Pedro referiu-se ao Senhor Jesus como o fundamento da Igreja
(1 Pe 2.7). Os demais crentes, portanto, são as pedras vivas (v. 5) nessa
edificação. Não há nenhuma indicação de que a Pedro fosse determinado, acima
dos demais apóstolos, um lugar de proeminência na fundação da Igreja. O papel
de Pedro, no Novo Testamento, está longe da reivindicação católica romana de
que ele tinha e era autoridade sobre seus companheiros.
Embora o encontremos como orador principal no dia de Pentecostes, sua
atuação no restante do livro de Atos é escassa, sendo ele considerado como um
dos apóstolos. De forma muito clara, Paulo falou o seguinte: em nada fui
inferior aos mais excelentes apóstolos (2 Co 12.11). Será que uma leitura mais
cuidadosa da carta aos Gálatas fará com que aceitemos que algum apóstolo foi
superior a Paulo? Creio que não. Pois Paulo reivindicou para si uma revelação
independente dos demais apóstolos (Gl 1.12; 2.2), reconheceu que seu chamado
era semelhante ao ministério de Pedro (Gl 2.8), a ponto de usar de sua
autoridade para repreender a Pedro (Gl 2.11-14).
O fato de Pedro e João serem enviados pelos demais apóstolos a uma
missão especial em Samaria demonstra que Pedro não tinha uma posição superior
entre eles (At 8.4-13). Se Pedro era superior aos demais, por que é dispensada
ao ministério de Paulo uma atenção maior, fato constatado nos capítulos 13-28?
No primeiro concilio realizado em Jerusalém (At 15) a decisão final não
partiu de Pedro, mas, sim, dos apóstolos e dos anciãos. Além disso, foi Tiago,
e não Pedro, que presidiu o conselho (At 15.13). Em momento algum, já que era
superior aos demais apóstolos, Pedro reivindicou ser pastor das igrejas, antes
exortou os presbíteros para que cuidassem do rebanho de Deus (1 Pe 5.1-2).
Embora reconhecesse ser um apóstolo (1 Pe 1.1), ele não se intitulou o
apóstolo, ou chefe dos apóstolos. Sabia que era apenas uma das colunas da
Igreja, com Tiago e João, e não a coluna principal (Gl 2.9). Contudo, foi
falível em sua natureza. Somente a Palavra de Deus é infalível. Isto não quer
dizer que ele não teve um papel significante na vida da Igreja.
Segundo afirmação do catolicismo romano, os sucessores de Pedro ocupam
sua cadeira. Quando, portanto, analisamos as Escrituras, encontramos critérios
específicos para o apostolado (At 1.22; 1 Co 9.1; 15.5-8), de modo que não
poderia haver sucessão apostólica no bispado de Roma ou em qualquer outra
igreja.
Quanto às chaves entregues simbolicamente a Pedro, elas não significam
que ele tinha poder para fazer entrar no céu quem ele quisesse. Essas chaves
representam a propagação do Evangelho, pela qual todos os pregadores, e não
Pedro apenas, podem abrir as portas dos céus aos pecadores que desejam ser
salvos.
Jesus foi explícito e enfático ao ordenar a divulgação das boas-novas
em Lucas 24.46-47. A mensagem de salvação produz arrependimento. E
arrependimento é fé na pessoa e obra de Cristo, ou seja, em sua morte e
ressurreição. Pedro abriu as portas do céu para os seus ouvintes no dia de
Pentecostes (At 2.37-41); na casa de Cornélio (At 10.42-43).
Por ICP

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